A nossa prática do Dharma só pode beneficiar o mundo. Conforme as nossas mentes se purificam dessas forças que criam sofrimento, os hábitos de cobiça, ódio e ignorância, o mundo fica mais liberto das muitas consequências desses estados mentais. Mas o que é necessário para ir da compreensão de que a nossa prática inevitavelmente ajudará outros até fazer da felicidade dos outros a nossa motivação para a prática? Conhecendo as nossas próprias limitações, poderemos realisticamente colocar esta motivação logo no princípio? E qual o efeito de o fazer?
Um ponto de viragem para mim na abertura a esta possibilidade ocorreu num retiro Dzogchen. Nyoshul Khen Rinpoche deu ensinamentos sobre bodhicitta relativa e absoluta. Bodhiccita significa literalmente “coração/mente desperta”. No plano relativo é compaixão, expressa no voto de bodhisattva de salvar todos os seres; é a aspiração para despertar da ignorância de forma a viver para o benefício de todos os seres. No plano absoluto, bodhiccita está para além dos conceitos de eu e o outro. É a natureza desperta e vazia da própria mente. Quando Rinpoche ensinava estes dois aspectos – compaixão e vacuidade – houve um momento inesperado de compreensão quando percebi que o plano relativo é a expressão do absoluto: a compaixão é a actividade da vacuidade. De repente o grande e aparentemente impossível fardo de “alguém” (eu!) a ter de salvar todos os seres dissolveu-se na grande arena expansiva da acção altruísta e compassiva. A acção compassiva é a reacção natural à consciência livre do eu: não há ali ninguém a fazer alguma coisa.
No seu ensinamento sobre o homem (ou mulher) sem dependência, Rinzai, mestre Zen chinês do século IX, expressou a criatividade e ilimitado potencial de uma pessoa aprisionada pela noção de eu:
Se um homem me vem perguntar pelo Buda, como homem sem dependência, apresento-me em estado de pureza e limpeza. Se pergunta por um Bodhisattva, apresento-me num estado de compaixão e benevolência. Se pergunta por Bodhi – a verdadeira sabedoria – apresento-me num estado de pureza e delicada humildade. Se pergunta pelo Nirvana – a iluminação completa – apresento-me num estado de total serenidade. Embora haja centenas de milhar de estados, enquanto homem sem dependência, sou sempre o mesmo. Portanto a minha apresentação de vários estados de acordo com os requerimentos é apenas como a Lua que livremente apresenta as suas imagens na superfície da água.
Joseph Goldstein, One Dharma
1 comentário:
"Quando Rinpoche ensinava estes dois aspectos – compaixão e vacuidade – houve um momento inesperado de compreensão quando percebi que o plano relativo é a expressão do absoluto: a compaixão é a actividade da vacuidade"
Eis um momento iluminante! Mas onde estará a flama dessa luz? Será na natureza da ilação retirada ("o plano relativo é a expressão do absoluto"), e então essa iluminação é condicionada, ou estará antes na experiência da simultaneidade incondicionada dos dois termos, em que ambos se identificam como Um, para sempre (re)unidos na mente não dualista?
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